Uma vez, há uns tempos, conheci uma menina. Devia ter cerca de 4 ou 5 anos. Estava sentada na Marina de Lagos a ler um livro e a ouvir música, quando ela vaio ter comigo, deu-me duas pancadinhas no cotovelo e disse:
Podes levar-me a passear?
Eu fiquei estarrecida. Não conhecia a moça. Mas tinha um ar angelical. Tinha os olhos cinzentos, cabelos pretos e uma pele tão branca, que apetecia tocar. Mais tarde, descobri que tinha o toque de veludo.
Tirei os headphones, arrumei o livro e dei-lhe a mão. Perguntei-lhe, simplesmente, onde queria ir. Disse que não importava, para eu escolher. Então optei por irmos até à biblioteca.
Atravessámos a cidade, deserta por ser Natal, e a menina perguntou-me:
Como é o Mundo?
Como é o mundo?Pensei eu cá para mim...
Não sei... É difícil explicar... é muito complicado. Os poetas e as pessoas grande tentam explicar, mas explicam-no de uma maneira mais complicada do que ele é realmente. É um lugar estranho para se estar, na minha opinião.Porque é que perguntas?
Porque tu és uma pessoa grande.
Eu? Não sou não. Sou mais crescida do que tu, mas ainda não sou inconsicente ao ponto de querer ser uma pessoa grande.
E continuámos a andar até chegar à biblioteca.
A menina deu dois passinhos à minha frente e eu reparei que os seus cabelos formavam uma longa trança. Achei-a bonita, brilhante, e perguntei-me que lha teria feito. Inconscientemente, sabia que ela não tinha pais. Mas também sabia que ela não precisava deles. Era muito desenvolvida, sabia ir ao encontro do que queria. E tinha-me escolhido a mim.
Senta-te, disse-me ela.
Eu sentei-me.
Não resisti a perguntar-lhe porque é que ela tinha ido ter comigo. E ela respondeu-me exactamente com estas palavras:
Já te tenho visto aqui. Estás sempre sozinha, lês muito e és discreta. Ninguém dá por ti, da mesma maneira como ninguém dá por mim. Entras num outro Mundo onde só quando alguém te arranca à força, é que sais. Mas mesmo assim és feliz. Eu também sou. Mas quero-me juntar a ti, de modo a que possamos aprender uma com a outra. Eu sei que tu vês o mundo de uma maneira diferente.
E nesse momento, percebi que o seu cinzento dos olhos faziam com que ela visse o mundo a preto e branco.
Desde aí que tenho reparado em todos os meninos. E percebi que só os bebés têm os olhos cinzentos. Depois, à medida que vão crescendo, vão sendo moldados, e os olhos vão ganhando cor. Aquela menina não. Creio que terá sempre os olhos cinzentos e que nunca crescerá.
Ontem, soube que a menina dos olhos cinzentos morrera. Foi uma amiga que me contou.
Andava à deriva na Marina de Lagos, quando bateu no cotovelo de uma senhora. Fez-lhe as mesmas perguntas que me fizera a mim e a senhora adoptou-a.
Essa senhora é a mãe da minha amiga.
Desde aí, não tenho parado de chorar. Sei que a menina dos olhos cincentos nunca mais terá olhos cinzentos.
A família vai fazê-la mudar de cor.
[para ti, menina dos olhos cinzentos. Qualquer que seja a tua cor de olhos.]
1 maneiras de ver a coisa:
Extremamente comovente este texto! O verdadeiro cego é aquele que não quer ver. Tenho saudades dos meus tempos de criança, onde vi o mundo doutra forma, muito mais bonita do que hoje em dia. Mas pelo menos abri os olhos, estou mais consciente àquilo que me rodeia. E não sei se essa história que contas é real, mas há experiências que nos marcam para sempre e esta foi uma delas.
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