I
Perceber, analisar em cálculo frio e minucioso, desbravar senão mesmo desenraizar do mais íntimo e absoluto eu, ou do mais íntimo e absoluto estado de coisas, a compreensão que tenho do mundo. ( Perceber a imagem que fabrico de ti nesse mundo que também habito, hesitando entre a ficção e a realidade ).
II
( Perceber os contornos infindáveis da cumplicidade que nos liga, nas manhãs cinzentas em que despertamos em camas separadas, ou no Sol das esplanadas a que não vamos, ou nos crepúsculos que partilhamos apenas numa imaginação que se adivinha conjunta ).
III
E a imaginação, esse aliado dos amantes enternecidos, que frutifica os pensamentos, que germina a semente plantada em forma de paixão, esse aliado, faz-nos sentir o pulso irrequieto, o ritmo cardíaco acelerado no percorrer de caminhos inverosímeis, caminhos que não existem de todo, que surgem vindos do nada, vindos da vacuidade daquilo que somos.
IV
E somos essencialmente isso, um nada profundo e quase absoluto que teimamos em não perceber. Somos uma pobre matéria sacralizada, um sopro, ou melhor, um espirro de Deus, senão um peido profundo dessas entranhas absolutizadas. De resto, de Deus não há nada para perceber. Só um nome e nada mais que um nome de cuja existência se duvida.
V
Mas o mundo existe, (e tu existes nesse mundo) e ambos deambulamos nas mesmas hesitações. A vida, também ela, é uma grande hesitação, uma hipótese, uma possibilidade, uma esperança ténue de ser. A vida é um quadro espaço-temporal onde nos reduzimos a uma efemeridade que é pó.
VI
Somos esse pó que não chega a ser húmus, que não fertiliza, que não cria. Um pó inútil, tanto quanto a inutilidade pode ser percebida.
VII
Estes são os estados de coisas que as proposições não podem traduzir. Os estados de coisas em que não surgem respostas, em que perguntar é apenas um dilema, um dilema entre ficar calado e dizer alguma coisa.
VIII
E eu queria dizer alguma coisa que não apenas nada. Queria dizer o silêncio, (dizer-te o silêncio em que tento perceber-te e perceber o mundo). Mas em vão. Não digo nada, tal como Deus, mudo e surdo, imagem mental que não construímos, discurso inefável, impensável, impossível.
IX
Não há lógica alguma no amar, isso percebemos. As regras, os teoremas só são universais porque não têm essência alguma. Aquilo que tem essência não se percebe, sente-se; a alma, o amor, até mesmo o fado.
X
O fado que canta a nostalgia do nosso ser nada, a saudade daquilo que somos. A eterna saudade de sermos alguma coisa. E nós queríamos ser, queríamos poder, poder desconstruir as estruturas deformadas das nossas mentes que não deixam perceber nada. Chamar nomes feios ao génio maligno que nos engana nesta eternidade de não sermos...
XI
Perceber a solidão. ( Percebes a solidão do nosso amor, ou a tragédia incomensurável de nos perdermos nas nossas existências ?... ) Desperdiçamos o tempo nos pensamentos inúteis de perceber o que nos move, o que nos mantém vivos e, enquanto isso, morre a esperança do assassínio da solidão.
XII
Como é confuso existir aqui e agora neste tempo de estar e ser alguma coisa que escreve. Escrever é libertar o pensamento enclausurado de ser ou não ser a consciência de alguma coisa.
XIII
Lá em cima os pássaros voam sem metafísica alguma, as flores de cor intensa florescem sem autorização camarária, as moscas mordem os bolos nas pastelarias finas e os cães fazem xixi na parede da esquadra engalanada para receber o presidente.
Eis a vida tal como ela é, simples, sem contornos e nós que teimávamos em não perceber !
Luís Miguel
terça-feira, 28 de agosto de 2007
13 breves discursos em tom poético
Pensada por Fernando d'Almeida no dia 8/28/2007
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